Viver pode ser ter. Ter um emprego, ter uma família, ter um carro, ter dinheiro, ter um tipo de vida, ter amigos, enfim, viver pode ser ter estas e outras coisas. Viver pode ser uma sensação de posse.
Viver pode ser fazer. Fazer uma viagem, fazer uma obra, empreender um negócio, fazer um acordo, enfim, viver pode ser fazer coisas ou até mesmo desfazer. Viver pode ser uma sensação de ação, de dinâmica.

Viver pode ser estar. Simplesmente estar. Em cada momento, independentemente do que estiver a suceder, estar. É claro que fisicamente já se está onde se está, mas mentalmente não é tão óbvio.
Já o António Variações nos sensibilizava para o facto de “só estarmos bem onde não estamos”.

Há uma tendência para a mente, o pensamento, nos tirar da “coisa” em que estamos, do momento que presenciamos, seja ele bom, mau, importante ou simples.
Quantas e quantas vezes estamos num sítio a pensar no amanhã é que vai ser bom, no jantar que vamos ter, na viagem que vamos fazer, na pessoa que vamos ver, na coisa que vamos comprar.
A todo o momento parece haver uma tendência para perder esse momento.
É assim. Creio que já me entenderam.

Mas isso é um processo mental, apenas. Não somos nós, isto é, não é uma questão desta ou daquela pessoa. É do ser humano em geral e apenas pelo simples facto de ter uma mente. Uma mente indisciplinada, irreverente, insaciável, egoica, que só quer protagonismo e esse protagonismo não é no agora.
É sempre além do momento.
A todo o momento, sem nos darmos conta, a mente, pelo pensamento, leva-nos para outra dimensão e, com isso, não só nos tira do momento como inicia um processo emocional, muitas vezes de ansiedade.
Estar com o corpo num sítio e o pensamento noutro é uma potenciação de emoções e sentimentos perturbadores do equilíbrio interno. É uma perda de foco. É uma perda de vida.

Ao escrever estas palavras fiz uma pequena associação com “a imagem das crianças hiperativas”. Ao longo dos anos fomos aceitando que há crianças hiperativas e, portanto, com um problema clínico ou a ser tratado por clínicos.
Pode ser. Não vou dizer que não há casos clínicos mas, honestamente, sinto que é o desconhecimento sobre o comportamento mental que leva a esta etiquetagem das pessoas. É o desconhecimento sobre o comportamento mental que potencia o recurso a medicamentos.
Todos temos uma mente tendencialmente inoportuna que frequentemente nos leva a pensar, sentir e agir de forma desconfortável.

Creio que o desconhecimento sobre o comportamento da mente está tão enraizado na humanidade porque é difícil admitir que a mente se pode disciplinar ou, melhor ainda, que podemos não ficar reféns dela.
As pessoas apenas têm uma mente, um sistema mental, como outros sistemas, e que podem ser geridos, monitorizados, observados e cuidados.
Assim como cuidamos da forma do corpo, cuidamos da alimentação, cuidamos do sistema vascular, cuidamos da visão, etc…, porque não cuidar do sistema mental e da maneira como ele nos influencia diariamente?

O pensamento não é a pessoa. A forma como se lida com ele é que faz a pessoa.
Eu não sou o meu pensamento mas a forma como lido com ele faz de mim quem sou.

Uma nota final sobre o estímulo para escrever este texto, neste espaço e neste momento.
Estamos rodeados de pessoas como nós, semelhantes em tudo e que a única coisa que nos torna diferentes é a forma como lidamos com o que nos ocorre na mente. Por isso, nesta quadra que atravessamos, reparemos na igualdade que paira à nossa volta e larguemos os impulsos de protagonismo, arrogância ou similares.
Tudo isso são pensamentos internos. São efémeros. Nada disso é estrutural.
Como se costuma dizer: isso é mental!

BOAS FESTAS!

José Miguel Marques Mendes
Administrador